quarta-feira, 11 de abril de 2012

Entrevista com José Roberto Santos Neves


Nascido em Vitória (ES), em 1971, José Roberto Santos Neves é Jornalista pela UFES, com pós-graduação em Gestão em Assessoria de Comunicação pela Faesa. Trabalha no jornal A Gazeta desde 1994, atualmente como editor do Caderno Pensar, anexo sobre cultura veiculado aos sábados. É o criador da página Fanzine, que circulou entre 1995 e 2011 nesse mesmo jornal. Como baterista, gravou os CDs "Hidden Melody" (1994), da banda The Rain, e "Todo dia é dia de blues" (2003), da Big Bat Blues Band. É autor dos livros "Maysa" (2004), a primeira biografia da cantora Maysa, e "A MPB de Conversa em Conversa" (2007), e agora autor do livro prestes a ser lançado “Rockrise - A história de uma geração que fez barulho no Espírito Santo”. 

Confira, abaixo, a entrevista com o autor:

1. O senhor já escreveu dois livros relacionados com a música, "Maysa" (2004), a primeira biografia da cantora Maysa, e "A MPB de Conversa em Conversa" (2007), ambos com contexto nacional, mas no próximo dia 19 lançará o livro “Rockrise - A história de uma geração que fez barulho no Espírito Santo” que nos conta a história do rock autoral produzido na Grande Vitória. Por que escrever um livro sobre o rock capixaba e de um período tão específico, dos anos 60 até 1995? Nos conte um pouco sobre o livro “Rockrise - A história de uma geração que fez barulho no Espírito Santo”.
R.  A ideia de escrever este livro é antiga, mas só agora consegui transforma-la em realidade. O foco gira em torno dos anos 80, a década do rock and roll no Brasil, marcada pelo Rock in Rio I (1985), a geração de Brasília, a explosão das bandas do Rio e de São Paulo, a estratificação da juventude em tribos urbanas (metaleiros, punks, góticos, new wavers) e a legitimação do rock como trilha sonora da Nova República, após 21 anos de ditadura militar. Parti da percepção de que o Brasil conheceu a cena roqueira de várias regiões, porém o rock produzido no Estado permaneceu escondido por uma série de fatores, embora bandas talentosas tenham se formado em Vitória e nas cidades vizinhas. Para contar as cenas dos anos 80 e 90, que tiveram grande cobertura da imprensa local, tive de voltar no tempo e resgatar os pioneiros que desbravaram esse caminho, inicialmente seguindo o modelo da Jovem Guarda e dos Beatles (The Jet Boys, The Bats, Les Enfants, Os Infernais) e, já perto do final dos anos 60, com o grupo Os Mamíferos, que sacudiu o provincianismo de Vitória com suas guitarras distorcidas e visual maquiado (isso quatro anos antes de os Secos & Molhados). Fiz cerca de 70 entrevistas com músicos de várias gerações, além de pesquisas em jornais de Época para contextualizar os fatos e bastidores de um período de saudável amadorismo. A opção por fechar o livro em 1995 atende a uma mudança de perfil: neste ano, com o advento do Mangue Beat, a cena mudou consideravelmente. As bandas deixaram de imitar o rock anglo-saxônico e passaram a buscar referências folclóricas de suas regiões, o que, no Espírito Santo, deu origem ao Mahnimal, Casaca etc, além da ascensão do reggae, hardcore, hip hop, música eletrônica, entre outros estilos. Formou-se uma outra cena, que pode ser o tema de outro livro.


2. Fazer arte no Espírito Santo é um desafio, pois o espírito-santense valoriza pouco os artistas locais. Porque nosso Estado, rico culturalmente, tem tanta dificuldade em vender e propagar a arte?
R. Essa é uma questão complicada porque envolve diversos fatores. Um deles é a baixa autoestima da população que se acostumou a ficar de fora das principais decisões políticas do país. Como afirma Gilberto Gil, "o Espírito Santo é um Estado periférico", que, embora próximo da indústria da comunicação e do entretenimento, não foi capaz de desenvolver uma estrutura para garantir a sobrevivência de seus artistas. Muitas bandas originais e talentosas ficaram no meio do caminho por falta de apoio empresarial e do Estado, e pela ausência de estúdios de gravação, a dificuldade de acesso a instrumentos etc. Estamos falando de um tempo em que não havia internet, celular, a comunicação era precária. Espero que o livro ajude a revelar aos capixabas uma intensa movimentação cultural que ocorreu por essas bandas, e que as novas gerações não repitam os erros das antecessoras.


3. Um dos problemas de se fazer arte no Espírito Santo é a formação de público, conseguir atrair pessoas para os teatros, shows e espetáculos de artistas locais. Por que essa supervalorização de artistas nacionais em detrimento dos artistas locais? 
R. Infelizmente existe esse complexo de inferioridade. A geração que conseguiu arrebanhar público, ás vezes de 30 mil pessoas por show, foi a do Casaca e do Mahnimal, mas o público se cansou dessa fórmula de rock/reggae/congo e a deixou de lado para ir atrás da axé music, sertanejo universitário e de outros modismos que volta e meia surgem na indústria musical. O capixaba deveria prestar mais atenção à produção local, não só na música, como também nas artes, cinema e literatura, Área em que temos uma forte tradição de autores representativos. Mas deve fazê-lo com olhar critico; prestigiar os artistas locais, mas cobrar deles qualidade, exigir um padrão competitivo. O capixaba deveria fazer suas próprias escolhas culturais, ao invés de consumir passivamente um tipo de entretenimento descartável que em pouco tempo será esquecido em função de outros modismos.


4. No início da década de 90 - última década relatada no seu livro -  surgiram duas bandas de rock, que marcaram época e que hoje fazem sucesso internacionalmente, Dead Fish e Mukeka di Rato, para você essas bandas e a geração que precedem foram influenciadas pelas bandas relatadas no Rockrise?
R. Sim, porque tudo faz parte de uma evolução. O Dead Fish, por exemplo, começou como Stage Dive, a banda dos skatistas, e tinha como referências Skelter e The Rain, compunha em inglês, e só depois de algum tempo encontrou a sua identidade musical. O Mukeka di Rato não seria possível sem o punk dos anos 80. Bandas como Zoopatia e Ferida Exposta cumpriram essa função no Estado. Nos anos 80 Vitória era essencialmente metaleira, não havia o hardcore como conhecemos hoje (embora nos EUA essa vertente já¡ fosse uma realidade desde o início da década). Então os meninos começaram a tocar o som punk com mais rapidez, intensificaram o inconformismo das letras e propiciaram o surgimento dessa cena hardcore no Estado, principalmente em Vila Velha.


5. Além de jornalista, escritor o senhor também é músico, qual a principal diferença do rock produzido entre as décadas de 60 e 90 para o rock produzido hoje?
R. Cada década tem suas peculiaridades. O auge do rock se deu entre 1965 e 1975, com a magia dos Beatles, Rolling Stones, Dylan, The Who, Hendrix, Cream, Led Zeppelin, Pink Floyd, Yes, Deep Purple, Black Sabbath, AC/DC. A geração dos anos 80 também deixou sua marca com o metal, os darks, os new wavers. Os anos 90 já assinalaram uma diluição rumo ao comercialismo. A principal diferença, para mim, é que as grandes bandas não se renovaram. Hoje o mundo caminha muito rapidamente e os músicos não conseguem dar sequência a uma carreira. Pode-se contar nos dedos as bandas surgidas em 1990 que se mantém em atividade até hoje. A indústria valoriza cada vez mais a superficialidade, o descartável, o sucesso e o lucro imediatos, o consumo rápido, e as bandas de rock parecem ter se acomodado diante dessas regras. Salvo raras exceções (Pearl Jam é uma delas), fazem o jogo da indústria e repetem clichês para se manter no topo. A esperança está na chegada de uma geração engajada na produção independente, nos festivais, na distribuição digital, e enfim, na atualização do ideal punk faça você mesmo. O sopro de renovação sempre virá dos independentes.



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