quarta-feira, 25 de julho de 2012

Perdi meu bom senso na rede


Impressiona-me o poder das mídias digitais, a capacidade delas de interferir na vida das pessoas e até determinar seus hábitos e opiniões. Falando assim, parece até que rede social é um monstrinho, um extraterrestre vivendo disfarçado no planeta Terra para nos controlar despercebidamente. Pior que não, são as pessoas que constroem diariamente essa torre de babel. Compartilhamos e curtimos coisas as quais nem entendemos de verdade, passamos adiante informações que, muitas vezes, são falsas.

Acho cômico – para não dizer trágico - quando leio frases atribuídas erroneamente a um autor – Cara, as pessoas nunca leram o livro e divulgam as supostas frases/ lições contidas nele! Tudo bem, elas são até bonitinhas e cabem perfeitamente como uma citação de autoajuda, mas muitas vezes elas contradizem o que aquela pessoa realmente defendeu em vida – Como eu sei? Ah, desculpa, de fato acompanhei o trabalho do sujeito. A superficialidade das informações disseminadas é assustadora, porém, pode ser aceita como mero entretenimento. No entanto, a sociedade brasileira contemporânea parece estar intrinsicamente associada à discussões rasas, como exemplo, a ida de Luísa para o Canadá e o pseudoestupro “ocorrido” no BBB 12. Esses “fatos” se alastraram pela internet como um vírus de zumbis hollywoodianos.

Pessoas ignorantes – no significado literal da palavra, que é sem conhecimento – se ocuparem dessas notícias é até compreensível. Afinal, como exigir que indivíduos cujo ensino regular compreendeu algumas falas docentes, muita greve, inúmeras trocas de professor em um período letivo e uma completa falta de estrutura, discutam as conjunturas sociais do país? Desculpa, mas estas pessoas necessitam do seu diploma de Ensino Médio para trabalhar e se manter vivas. Além disso, nas escolas brasileiras ninguém nos estimula a pensar, discutir, menos ainda a lutar contra sistemas sociais, mas sim, a engolir tudo o que mastigam para nós, principalmente nas instituições públicas  – querem ensinar a fazer comida uma nação que não tem ovo na panela, como canta Fernando Anitelli. Entretanto, diversas pessoas públicas, músicos, atores e até o jornalismo nacional, se renderam aos peixes dessa rede.

Porém, o que me assusta realmente é a ingenuidade – ou burrice, definam como quiserem – de grande parte dos usuários brasileiros da rede mundial de computadores. Antes de continuar lendo, assista ao vídeo abaixo:

No facebook, esse vídeo de “procura-se” foi curtido por mais de oito mil pessoas que admiraram o romantismo do rapaz, compartilhado por quase cinco mil que desejavam ajudá-lo na sua busca e comentado por quase três mil pessoas – isso sim é buzz! - a maioria delas, elogiou e incentivou a atitude shakespeariana. Pois, na sociedade do espetáculo, uma estória de amor só é grande quando exposta aos seus inúmeros amigos – que nem lhe conhece – e o belo são os pedidos de casamento fantásticos  Sendo assim, todos ansiavam por um final feliz para esse conto de fadas moderno. E o fim, chegou:



Exatamente, Perdi meu amor na balada, foi uma série de três vídeos que integraram uma campanha viral de lançamento do smartphone 808 Pure View da Nokia. O primeiro vídeo compreendeu o apelo de Daniel Alcântara, um rapaz desesperado em busca de um amor que conheceu na balada: “Foi amor à primeira vista. Não acreditava nisso, mas aconteceu”, dizia ele. O nome da garota era Fernanda, e isso era tudo o que ele sabia dela. Daniel lançou a campanha “Perdi meu amor na balada” no Facebook, com direito a retrato falado da moça.

O vídeo seguinte mostrou o rapaz com um buquê de rosas vermelhas na mão em frente ao suposto local de trabalho de Fernanda. Mas não havia alguém com esse nome. No último vídeo, Daniel finalmente encontra seu grande amor. Graças a um dos internautas sensibilizados pela campanha - e dono de um 808 Pure View, que enviou para Daniel um vídeo mostrando a foto que tirou na balada onde Daniel e Fernanda se conheceram. O romântico rapaz aparece ao fundo, recebendo o número de telefone da moça em um guardanapo, o qual ele havia perdido. Em outras palavras, o número de telefone só pode ser visualizado nitidamente devido o potente zoom do smartphone da Nokia. Uma boa propaganda, talvez.

Ocorre que, as pessoas (consumidores) cuja fé depositaram no pobre rapaz apaixonado, sentiram-se lesadas, feridas em seu íntimo sonho de amor romântico, e por isso foram ao Procon, Conar e Pequenas Causas para lutar por seu direitos! Como pode uma empresa nos enganar dessa forma? Será que essa multinacional não sabia que existem brasileiros capazes de agredir atores cujo papel é o de vilão na novela, porque – sabe-se Deus porque! - elas creem na trama, quem dirá em informação divulgada no facebook? Se existissem brasileiros para se indignar desse modo e protestar assim por uma Educação de qualidade, talvez esses equívocos fossem evitados.

...

Algumas observações antes dos julgamentos:

1°) Não afirmei em nenhum ponto do texto que estudante da rede pública de ensino não é inteligente - até porque, modéstia à parte, estudei em escola pública à vida toda. O que fiz foi criticar a educação brasileira, que é uma merda!


2°) Não contesto o dever, determinado pela autorregulamentação publicitária e o CDC, da Nokia e de sua agência de explicitar que os vídeos se tratavam de propaganda. A questão não é essa, se você não entendeu isso leia o artigo novamente ou desista, problema seu.





terça-feira, 17 de julho de 2012

Buzinar pra quê?


Você vigia o relógio até dar a hora – os últimos minutos são os mais demorados. Quando o ponteiro maior alcança o 12 suas coisas já estão prontas e você já se levanta. Parte para o ponto de ônibus – É preciso se apressar para não perder o próximo. Depois desse, só vem lotado! Não que você vá sentado, mas nesse é possível embarcar. O pior, é que não faz diferença para onde você vai, o seu, sempre demora mais - todo ônibus passa rápido até você precisar dele. Outra verdade inquestionável é que ele estará cheio, exceto se você pegá-lo no terminal e, é claro, se aguardar na segunda fila, porque na primeira você irá em pé de qualquer modo.

Ok, você está no coletivo, mas como não tem metro de superfície, nem corredor exclusivo de ônibus o jeito é contar com o bom fluxo do trânsito da Reta da Penha (que agora é uma reta com curva) até a 3ª ponte (pela qual você ainda paga pedágio). Para um capixaba que mora na Grande Vitória não é preciso criatividade para imaginar essas cenas, elas são vivenciadas todos os dias.

Mas não basta ser espremido mais do que limão de caipirinha, nem suportar odores indescritíveis, ainda tem aquele sujeito (babaca) que pensa que ao apertar a buzina o carro dele se transformará em Optimus Prime e ele passará por cima de todos os outros carros que se aglomeram na sua dianteira e laterais. Não, não há nexo em buzinar enlouquecidamente enquanto se está em um congestionamento. Contudo, todos os dias existem mãos abençoadas que fazem isso!

Uma pequena demonstração diária do egocentrismo humano, pois se tivesse uma gota de altruísmo – para não dizer bom senso, notaria que todas aquelas pessoas em seus carros e transporte coletivo (quer pior que isso?), também estão cansadas de suas jornadas de trabalho, querem retornar aos seus lares, descansar. Muitas estão a caminho da sua segunda jornada do dia: escola, faculdade, curso. Logo, a buzina, que não melhora a situação em nada, a deixa ainda pior. Causa mais impaciência e irritação.

Ademais, fazer uso desse dispositivo sonoro – extremamente chato, de forma exagerada e sem motivo é infração pelo Artigo 41 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB). Pois sua função não é desabafar (descontando nos tímpanos alheios) sua raiva por estar preso em um congestionamento, mas advertir, COM TOQUE LEVE, ao pedestre ou motorista a fim de evitar um acidente. Mas essa é só mais uma Lei ignorada e transgredida pelos brasileiros – ôh, jeitinho de ser!

Melhor seria se todos aproveitassem para fazer algo útil neste tempo de espera. Coloque uma música legal, cante alto - quando não se tem opção, a melhor é relaxar. Converse um pouco com quem está no banco do carona, pense em outras coisas, que não o congestionamento que lhe atrapalha as atividades. Aprenda uma técnica de respiração e pratique no carro - durante o trânsito ruim heim! Se nada disso funcionar, olhe para o transcol ao lado e ponha-se no lugar daquelas pessoas, elas também estão presas no congestionamento, grande parte delas está em pé e espremida contra as outras, algumas exercitam o malabarismo - carregam cadernos, pastas, bolsas nas mãos e ainda se seguram, isso porquê, nenhum ser teve a bondade de ajudá-las e elas nem possuem uma buzina para apertar quando ficarem entediadas disso tudo. Então, por obséquio, para de apertar essa porra de buzina!




domingo, 15 de julho de 2012

O monstro da sociedade


Frankenstein - Interpretado por Boris Karloff
uma das mais famosas adaptações do romance, em 1931 

”Já tive esperanças de encontrar seres que, perdoando minha aparência, poderiam amar-me pelas qualidades que eu tinha dentro de mim.” 

Frase dita por uma personagem a quem muitos conhecem (nem que seja por meio dos filmes da sessão da tarde) e extraída por mim do clássico de Mary Shalley, a obra precursora da literatura de ficção científica, Frankenstein – Para tudo! Frankenstein não é o nome do monstro, mas do seu criador, Vitor Frankenstein. Caso você seja um dos que faz essa confusão. O monstro, que já foi representado de diversas formas no cinema, ora como um simples assassino sem capacidade de reflexão, ora como uma criatura trágica e extremamente articulada (a mais próxima do livro), na verdade, não tem nome.

Frankenstein é um dos livros mais adaptados para película e frames da história do cinema, porém, em muitas delas foi tratado com superficialidade, por meio de produções toscas que só criaram preconceitos quanto à obra literária. Pois, se concentraram apenas no aspecto assustador – na feiura do monstro - e ficcional da estória de Shelley, transformando-a em algo irrisório e até infantil (se souber de algum realmente fiel ao livro, por-favor, me indique). Entretanto, uma obra de literatura para ser considerada “um clássico” – como é o caso desta, precisa de muito mais que “sustinhos” e “caras feias” (e de vampiros que reluzem ao sol, é claro) foi esse pensamento que me levou a ler Frankenstein.

A estrutura deste romance é composta por três narrativas em primeira pessoa, do capitão que encontra Frankenstein à deriva, de Vitor Frankenstein e do monstro, o que confere à trama um ritmo que impulsiona à leitura, você quer continuar lendo, quer chegar ao final da estória sem ser interrompido – quase uma fissura! Além disso, esse formato coloca o leitor em cheque, faz com que ele enxergue ambos os lados da moeda, do criador e da criatura. Põe-no em dúvida sobre quem é o vilão e quem é o mocinho do enredo. Às vezes, sente-se pena de Frankenstein, por todos os flagelos que vive, em outro momento, o odiamos, e nos compadecemos pelo monstro, pela vida errática e solitária a qual foi lançado. Enquanto isso, o capitão representa o próprio leitor na estória – sou eu quem está ali, ouvindo tudo aquilo, querendo exterminar o monstro, desejando esbofetear o Criador e chama-lo de “idiota!”.

Logo de início, a autora nos mostra a fragilidade de Frankenstein, exibe á condição psicológica ao qual ele chegou, para mais tarde nos contar o que o levou aquele estado desesperador. Ela o humaniza ao ponto de fazer com que o leitor simpatize por ele e defina seu caráter positivamente, por intermédio do Capitão Walton e de sua descrição: “Nunca havia visto uma criatura tão interessante: seus olhos tinham uma expressão selvagem, quando não de loucura; no entanto havia momentos em que, se alguém lhe fazia alguma gentileza, toda a sua expressão se iluminava com um raio de benevolência e doçura inigualáveis.” em outro trecho “Deve ter sido uma nobre criatura em dias melhores, já que, mesmo agora, na desgraça, é tão gentil e amigável.”

Até que você conhece o relato do monstro, cuja ausência de nome reflete sua falta de identidade, a impossibilidade de ser reconhecido como alguém. A criatura e o que ela representa me remete ao que defendia o filosofo Rousseau – que por sinal nasceu em Genebra, cidade natal de Frankenstein e onde a autora criou seu romance, de que o ser humano é essencialmente bom, mas é corrompido pelo meio e as circunstâncias nas quais vive.

Na alegoria de Shelley, o monstro nasce ingênuo, ignorante a respeito de tudo. Tal qual uma criança, vai descobrindo aos poucos o que são as coisas e as pessoas (uma coisa, se é que você me entende). Ele se reconhece como individuo a partir do outro, é ao olhar para as pessoas e ao vivenciar a reação delas ao vê-lo – ficavam amedrontadas, fugiam ou atacavam-no, que a criatura descobre que é diferente e que, por isso, não é aceito.

Contudo, ele alimenta a esperança de que, se puder mostrar às pessoas suas qualidades – apesar de sua cara horrorosa, elas o amaram - Coitado! Desconhecia o preconceito e a discriminação humana, nossa incrível habilidade de amar o belo e o rico em detrimento de um bom caráter. Certamente ele não foi aceito e isso, no livro, determina os fatos que se seguem. Ele é uma vítima das circunstâncias, alguém que nasceu bom e tornou-se mau por tudo o que sofreu. Um subproduto da própria humanidade. Como muitos dos jovens brasileiros que se entregam aos vícios e a criminalidade e que, ainda, são tratados como problema individual e não social. “Serei sempre considerado o único criminoso, o único culpado, enquanto todos os que me conheceram cometeram injustiças para comigo?” diz o monstro.

Originalmente Mary Shelley deu um subtítulo ao livro, “Prometeu sem correntes”. Na mitologia grega, Prometeu criou a humanidade, a quem deu o poder de pensar e raciocinar. Enganou Zeus, roubou o fogo do Olimpo e deu-o aos seres humanos, para que esses sobrepujassem os outros animais. Por essa razão, foi condenado a permanecer preso por correntes junto ao alto do monte Cáucaso, durante 30 mil anos, durante os quais ele seria diariamente bicado por uma águia, a qual lhe destruiria o fígado. Como Prometeu era imortal, seu órgão se regenerava constantemente, e o ciclo destrutivo se reiniciava a cada dia. Após ser liberto por Hércules e substituído por outro ser imortal, o Minotauro, conforme regra de Zeus, esse lhe permitiu se tornar mortal e perecer serenamente. Um resumo metafórico da estória de Vitor Frankenstein.

Dessa forma, a estória criada por Shelley é uma daquelas obras que lhe confunde mais do que esclarece. É uma estória que nos acrescenta mais do que nos toma, que nos deixa contemplativos após a leitura, nos estimulando a refletir sobre as conjunturas sociais, sobre os métodos e dogmas humanos, sobre nós. Tudo isso, sob o pretexto do entretenimento. Uma obra completa, eu diria.

Mary Shelley. Biblioteca Nacional, Madrid
Mary Wollstonecraft Shelley (Londres, 30 de agosto de 1797 -— Londres, 1 de fevereiro de 1851), mais conhecida por Mary Shelley foi uma escritora britânica, filha do filósofo William Godwin e da pedagoga e escritora Mary Wollstonecraft. Casou-se com o poeta Percy Bysshe Shelley em 1816. Escritora de contos, dramaturga, ensaísta, biógrafa e escritora de literatura de viagens, mais conhecida por sua novela gótica Frankenstein (1818). (Fonte)


Saiba mais sobre a autora AQUI

sábado, 14 de julho de 2012

Ao avesso


É isto. Não sei bem como ocorreu, mas sei mais ou menos quando aconteceu. Aos poucos fui me coisificando, me desumanizando e se transformando em um subproduto de gente. Algo que se parece humano, mas na verdade é um vegetal indigesto, apenas com alguns sentidos a mais. Uma coisa que se move, caminha, fala, até pensa e sente, mas se acomodou de tal forma que simplesmente sobre-vive. De pouco a pouco perdeu-se a vaidade, a vontade de se por bela, de subir no salto e caminhar pelo mundo, de contemplar a vida e de tê-la pra si.

Não sei precisar quando, mas sei mais ou menos como. Uma mudança de endereço, alguns poucos, porém importantes, planos desfeitos. Autoexpectativas não correspondidas. Uma autonegligência aqui, outra ali. Autoflagelação silenciosa e imperceptível. Insônia, enxaqueca, falta de dinheiro, preguiça, e um sem fim de etcs. Pouco a pouco desisti de lutar por minha alegria, de brigar com quem se interpunha a ela. Com o tempo, fui fazendo as vontades alheias, disse um “não vou” hoje, outro “não posso” amanhã, um “não tenho tempo”. Não, não, não! Até que me tornei uma negação completa. Coisa que não faz ninguém feliz, que não se faz feliz.

Fui criando patas, pêlos, me tornando a metamorfose de Kafka que não pode sair do quarto. Enterrando-me em uma caverna e me amedrontando com as sombras em suas paredes. Não podia mais encarar a luz. O monstro de Shelley, desgraçado, raivoso, angustiado, sem par no mundo, sem refúgio, só. Um somente. A desordem exterior, na verdade, não é o reflexo da interior, porque essa é muito pior.

Quanto tempo perdido até que eu percebesse o processo. Enxergasse o emaranhado de cabos, cordas e fios que virou o meu ser, extensões de mim, fragmentos, peças perdidas de xadrez que não fecham jogo. Virei pedaços. Palavra cruzada que ninguém responde, charada que ninguém acerta, um porquê que ninguém é capaz de compreender. Porque tudo parece a mesma desculpa de sempre. “E desculpas nem sempre são sinceras. Quase nunca são.” Mas são desculpas que dou pra mim, não pra você. E eu as entendo, aqui é onde reside o problema. Só me resta o caminho inverso, mas para trás só caranguejo vai. É isto. Só falta a solução.