sábado, 14 de julho de 2012

Ao avesso


É isto. Não sei bem como ocorreu, mas sei mais ou menos quando aconteceu. Aos poucos fui me coisificando, me desumanizando e se transformando em um subproduto de gente. Algo que se parece humano, mas na verdade é um vegetal indigesto, apenas com alguns sentidos a mais. Uma coisa que se move, caminha, fala, até pensa e sente, mas se acomodou de tal forma que simplesmente sobre-vive. De pouco a pouco perdeu-se a vaidade, a vontade de se por bela, de subir no salto e caminhar pelo mundo, de contemplar a vida e de tê-la pra si.

Não sei precisar quando, mas sei mais ou menos como. Uma mudança de endereço, alguns poucos, porém importantes, planos desfeitos. Autoexpectativas não correspondidas. Uma autonegligência aqui, outra ali. Autoflagelação silenciosa e imperceptível. Insônia, enxaqueca, falta de dinheiro, preguiça, e um sem fim de etcs. Pouco a pouco desisti de lutar por minha alegria, de brigar com quem se interpunha a ela. Com o tempo, fui fazendo as vontades alheias, disse um “não vou” hoje, outro “não posso” amanhã, um “não tenho tempo”. Não, não, não! Até que me tornei uma negação completa. Coisa que não faz ninguém feliz, que não se faz feliz.

Fui criando patas, pêlos, me tornando a metamorfose de Kafka que não pode sair do quarto. Enterrando-me em uma caverna e me amedrontando com as sombras em suas paredes. Não podia mais encarar a luz. O monstro de Shelley, desgraçado, raivoso, angustiado, sem par no mundo, sem refúgio, só. Um somente. A desordem exterior, na verdade, não é o reflexo da interior, porque essa é muito pior.

Quanto tempo perdido até que eu percebesse o processo. Enxergasse o emaranhado de cabos, cordas e fios que virou o meu ser, extensões de mim, fragmentos, peças perdidas de xadrez que não fecham jogo. Virei pedaços. Palavra cruzada que ninguém responde, charada que ninguém acerta, um porquê que ninguém é capaz de compreender. Porque tudo parece a mesma desculpa de sempre. “E desculpas nem sempre são sinceras. Quase nunca são.” Mas são desculpas que dou pra mim, não pra você. E eu as entendo, aqui é onde reside o problema. Só me resta o caminho inverso, mas para trás só caranguejo vai. É isto. Só falta a solução.



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